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sexta-feira, 27 de maio de 2011

Carroça, Criança e Cachaça


Por:  Prof. Afonso Ivo de Lira
                                                                           
Minha caminhada matinal diária, ao amanhecer do dia, ao lado do Canal do Arruda, no Recife, me leva a ver cenas inusitadas e até grotescas. Em três momentos, nos últimos dias, em março de 2011, fui impulsionado a escrever sobre elas.
      
Recordo-me  da casa de uma tia, no interior de Pernambuco, num dia de feira, mais ou menos em 1960, depois de comunicado que o almoço estava na mesa, um conterrâneo Camponês, retira o chapéu da cabeça e responde “fazerei presença”. Mas a mesa que queremos mostrar é uma outra, em março de 2011, meio século depois, em Recife, ao lado do Canal do Arruda.
      
Carroças com suas enormes cargas, puxadas à gente, após noite de labuta, se congregam próximas de um depósito de compra de material reciclável, onde a “mais valia” se desdobra em mais  um espetáculo de acumulação. Homens desnudos são arrancados de suas últimas centelhas de vida para o show da degradação, onde a droga talvez seja a sua esperança mais próxima.
      
Eis o Quadro possível, pintado no lampejo da sujeira, da escuridão, da incompreensão, da invisibilidade, enfim da realidade espantosa. Mas é desse mesmo Quadro turvo, triste, que vislumbro algo estranho, no clarear do dia, uma mesa, umas três cadeiras e um litro de Cachaça em cima. É a vida dando sinal, se emoldurando na Cena, se mostrando na Droga, é a Esperança numa mesa semi posta.
       
Numa outra Cena, às cinco e quinze da manhã, mais uma Carroça puxada à Gente, um Casal chegando em mais uma madrugada, maturando uma Criança para o Bolsa Escola. Não deixa de ser uma Atividade Produtiva, geradora de novas ocupações, mas é a Criança exposta aos contatos insalubres de uma noite suja.
      
O Menorzinho, de colo ainda, se queda numa espécie de bacia, amarrada na frente da Carroça, olhando para as costas dos Animais Humanos que se alternam na tração da sujeira da sobrevivência. Numa certa tranqüilidade, com um “bom dia”, saudando minha tensão de um amanhecer de perspectiva amarga, mas dando visibilidade ao ato insólito de uma existência desumana, mas viva.
      
Mais à frente, Nova Cena, uma outra Carroça parada, abandonada, está ao lado de um papelão dobrado em três partes, escondendo um Homem de cócoras, dando mal exemplo, porém menos mal de que o mictório público ao ar livre, dos carnavais de Olinda e Recife.
      
Enfim, eis o meu Recife, mal cheiroso, onde a invisibilidade cata no Lixo, latinha, papel, papelão, vidro, ao lado de uma Classe Média vibrante, Carnavalesca, mas cuidado que há uma Pequena Vida pendurada numa Carroça, “olha o freio do carro”, atenção que o Sistema ainda precisa da sobrevivência dos futuros Desempregados, recolhendo os Dejetos da podridão do Capitalismo.